terça-feira, 4 de setembro de 2007

Viagem insólita

Já tinham conversado sobre o assunto algumas vezes, parece. Naquela época era mais ação, menos reflexão.

Aí, num belo dia (que é o que não falta) ninguém tinha dinheiro pra pagar o ônibus. Entrar em um era aceitar o pacote, era seguir o plano até o fim, se dançar tá fudido (sacou?), pelo menos quando se tem 11, 12 anos.

Vão andando e cogitando andando e cogitando andando e cogitando andando e cogitando e pára um. O fédaputa pula pra dentro, é o mais mala, safado, sem vergonha, que merda, vai um vai os três.

A viagem mais deliciosa começa. O mundo do lado de fora da janela fica meio dourado, o tempo diferente, barriga fria, saco frio, pequeno, o som da catraca alto pra caramba, a mesma coisa com os assobios seguidos das pancadas das portas.

A gente sempre faz merda e sempre tem sorte, sempre dá um jeito, vai dar certo. Não outro jeito também, entrou, fudeu. Fica tranqüilo, sem vacilar, assovia, olha pra fora, fala de homim do he-man, já lembra daquela parada lá e tal.

Bom mesmo ia ser roubar a grana do cobrador, mas não dá. Mas é foda, ganha dinheiro até, sem gastar um tostão. Isso porque ninguém imaginava quem era o dono, porque se soubesse...

De repente, acaba a subidona. Sinal que daqui a pouco, no fim da subidinha, vira, e aí o bicho começa a pegar. O primeiro ponto da rua já daria pra descer, mas o próximo é melhor.

Pára no ruim, continua, o barulho do motor brincando com as marchas massageando a cabeça, vibrando a barriga (I'm alive...), e vai chegando perto. Muito vazia a nave, não tem ninguém pra levantar e puxar a cordinha. Se passar batido só tem mais uns dois pontos de distância razoável. Mas não, tem gente acenando, o ônibus pára. Dá medo de olhar pra cara do outro, mesmo assim rola entre-intra-olhares, mas todo mundo afina.

Continua a treta do motor ronronrando e as portas assoviando e batendo, passa a igreja, passa o pé de porco, e já chega o outro ponto. Não sei se existia ali um código nesse sentido, mas o primeiro a entrar foi o primeiro a falar falou e tchau. Pula mais um e já saem correndo com tudo sem olhar pra trás. Quando resolvem olhar, nada do outro, o gordo. Fudeu, cadê o cara? Dançou, vai preso.

Aí o ônibus sacode e pula lá de dentro o gordo, com a língua pra fora, mordendo, a cara de safado sem vergonha correndo e rindo os três vão correndo e rindo e indo correndo rindo muito demais pra correr correndo muito demais pra rir e rir e rir e rir e rir e rir e rir e rir e rir e rir até gravar, bem fundo no HD de vinil, o riso eterno de quem foi criança de verdade, rolando no chão de felicidade.

5 comentários:

Anônimo disse...

Nossa! Deu emoção de ler... que saudade, saudade, saudade, ter oito anos pra sempre... ad infinituun... é velhinho, ce tá saudosista hein... bom demais...

Anônimo disse...

Que lindo! E emocionate...

danislau disse...

suspense filho da puta

isomorfia c o suspense dos menino

cadê o gordo?

falar falou e pronto

esperar e agir, that´s it

Anônimo disse...

Bela história.

Anônimo disse...

me fez pensar quão interessante o banco do ônibus é uma cadeira de platéia, ou de platão, virada pro show da vida, simbolizando como a vida passa, e como passamos por ela, cada um tem uma história, cada história tem o seu lugar. E como todos somos saudosistas, porque não lembrarmos da velha piadinha: tudo nessa vida é passageiro, menos o cobrador e o motorista, mas ouso incluir talvez també, os tais malas "félas-da-puta"