Depois de uma noite e madrugada inteira de viagem, José Ruela de Chinelo chega ao seu destino, muitíssimo bem acompanhado pelo Sol.
Era evidente que aquele lugar era meio esquisito, como que uma imagem levemente fora de foco, talvez a que vê quem olha por olhos míopes de meio grau. Todo mundo meio manco, ou meio vesgo, ou banguela, e todos sempre muito calados.
Talvez uma vila da idade média, com casas de pedras empilhadas, pequenas, decoradas com cadeiras, mesas e poltronas também de pedra.
No ar, o som estéreo de mil tubos de vidro etéreo soprados por dois mil beiços, sei lá eu onde. Lá tem uma gruta cuja outra saída êsfala que dá em Machu Picchu; talvez lá estejam os sopradores. Mas o som chegava, constante, noite e dia, ininterrupto. Um som muito agradável. Aliás, não era só um som, era mesmo uma música, com melodia, ritmo, andamento e pá.
No ar também havia o céu, lindíssimo. Mas, como o resto, diferente. Um céu claro, límpido, textura de cristal, e muito baixo, perto demais da gente.
Como se não bastasse, aquela banda larga aérea ainda transmitia um cheiro inebriante, meio azul, meio amarelo ocre; sempre sutil, mas nunca ausente. Uma hora ou outra trafegavam também alguns megabytes de cheiro de pão de queijo com chocolate quente, daqueles que carregam cachorro pelo focinho.
Aqueles dias foram de perambulação pela vila e, principalmente, pelas imediações, recheadas de cachoeiras, grutas, morros e essas coisas.
Num daqueles dias, no meio da estrada de terra, o carro de Ruela encosta, parando bem atrás de um homem. Definitivamente, era um nativo (o povo sem dente, ou sem olho, ou sem coerência, como eu tinha falado), vestido com uma calça meio escura, uma camisa de botão de manga curta meio clara, e de chapéu de palha. Ele estava agachado, na posição brasileira de lótus (feito quem está passando um fax para o presidente Lula), de costas para a estradinha. Parecia extremamente concentrado, parado, inerte, contemplando o vazio verde/azul, serenamente não pensando na vida. Estado inabalado até mesmo com a chegada agressiva, barulhenta, petulante e esnobe própria de um carro, estacionado bruscamente a centímetros de suas costas. Tampouco a música alta da vitrola do carro ou o abrir e fechar de portas venceram a indiferença.
E foi assim que, perguntado qual caminho seguir, o cara agachado de chapéu limitou-se a apontar com o indicador direito. Depois continuou estático, assistindo atento ao filme que ninguém mais via.
José Ruela então seguiu viagem, acompanhado da pulga atrás da orelha; ninguém sabe se a informação fornecida era correta.
Depois de muito refletir, percebeu que o pose de cagão era o/um/e/ou matuto.
De volta ao lar, já no primeiro dia trombou um amigo prego com quem não encontrava havia algum tempo:
- E aêê Zé Ruela, como é que tu tá?
- Zé Ruela é o caralho, meu nome agora é Biro-biro do Baticum, porra!
E o prego saiu, abalado.
No dia seguinte, Biro-biro deu entrada nos papéis pra fazer a alteração do seu nome.
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