segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Raúla

Faze o que tu queres.

Depois, cumpre a pena, pois é tudo da lei.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Wherever I May Roam

Dizem os caras que o homem começou a andar com os lobos por conta das vantagens em se usar alguém para ajudar ou mesmo fazer nosso trabalho. Cada indivíduo ou comunidade selecionando deliberadamente as características que mais conviessem – caça, guarda, alarme, guia, ataque... – apropriando-se da acuidade dos sentidos caninos. Amansaram-se os bichos e eles viraram cachorros. Outros continuaram putos e ojerizados com a gente, permanecendo longe, selvagens, livres, cautos, lobos. Lobo mau.

Mas eu acho que o negócio é um pouco diferente. Eu acho que o homem e o cão começaram com essa promiscuidade por causa do prazer em andar no mato junto com o outro. Acho que nasceu da curiosidade, do cheiro de comida, e uma vez que o olhar de um homem cruzou com o do lobo andando ao lado, nasceu o vínculo. Um olhar encontra no outro o tipo de compreensão, positividade, segurança, que a sua própria espécie não conseguiria mostrar.

Talvez a nossa igualdade, que na vida comum parece não existir nem a pau, seja uma verdade. Uma verdade que pode ser muito pesada. A relação com um ser que é de outro tipo, outra consciência, e ainda assim com mesmo valor, talvez isso traga uma pouco de alívio. Alívio de ser gente. Alívio pela experiência de uma interação que exclui um intermediário: a linguagem. Transmissão com altíssima velocidade e fidelidade.

É bom ter amigo de todo jeito, everybody knows. Cada um faz entender um lado da gente.

E mais: pra ser poético, eu diria que os cachorros são os embaixadores dos animais no reino humano, tentando usar seu prestígio entre nós, quem sabe, pra mostrar que respeito é bom e conserva os dentes (nesse caso, todos os ossos do corpo e ainda a terra pra enterrá-los).

Acho que o homem percebeu, há muito tempo, que troca franca de olhar com um cachorro faz muito bem pra saúde. Do corpo e da alma, do cachorro e do homem.



quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Le Matout

Depois de uma noite e madrugada inteira de viagem, José Ruela de Chinelo chega ao seu destino, muitíssimo bem acompanhado pelo Sol.

Era evidente que aquele lugar era meio esquisito, como que uma imagem levemente fora de foco, talvez a que vê quem olha por olhos míopes de meio grau. Todo mundo meio manco, ou meio vesgo, ou banguela, e todos sempre muito calados.

Talvez uma vila da idade média, com casas de pedras empilhadas, pequenas, decoradas com cadeiras, mesas e poltronas também de pedra.

No ar, o som estéreo de mil tubos de vidro etéreo soprados por dois mil beiços, sei lá eu onde. Lá tem uma gruta cuja outra saída êsfala que dá em Machu Picchu; talvez lá estejam os sopradores. Mas o som chegava, constante, noite e dia, ininterrupto. Um som muito agradável. Aliás, não era só um som, era mesmo uma música, com melodia, ritmo, andamento e pá.

No ar também havia o céu, lindíssimo. Mas, como o resto, diferente. Um céu claro, límpido, textura de cristal, e muito baixo, perto demais da gente.

Como se não bastasse, aquela banda larga aérea ainda transmitia um cheiro inebriante, meio azul, meio amarelo ocre; sempre sutil, mas nunca ausente. Uma hora ou outra trafegavam também alguns megabytes de cheiro de pão de queijo com chocolate quente, daqueles que carregam cachorro pelo focinho.

Aqueles dias foram de perambulação pela vila e, principalmente, pelas imediações, recheadas de cachoeiras, grutas, morros e essas coisas.

Num daqueles dias, no meio da estrada de terra, o carro de Ruela encosta, parando bem atrás de um homem. Definitivamente, era um nativo (o povo sem dente, ou sem olho, ou sem coerência, como eu tinha falado), vestido com uma calça meio escura, uma camisa de botão de manga curta meio clara, e de chapéu de palha. Ele estava agachado, na posição brasileira de lótus (feito quem está passando um fax para o presidente Lula), de costas para a estradinha. Parecia extremamente concentrado, parado, inerte, contemplando o vazio verde/azul, serenamente não pensando na vida. Estado inabalado até mesmo com a chegada agressiva, barulhenta, petulante e esnobe própria de um carro, estacionado bruscamente a centímetros de suas costas. Tampouco a música alta da vitrola do carro ou o abrir e fechar de portas venceram a indiferença.

E foi assim que, perguntado qual caminho seguir, o cara agachado de chapéu limitou-se a apontar com o indicador direito. Depois continuou estático, assistindo atento ao filme que ninguém mais via.

José Ruela então seguiu viagem, acompanhado da pulga atrás da orelha; ninguém sabe se a informação fornecida era correta.

Depois de muito refletir, percebeu que o pose de cagão era o/um/e/ou matuto.

De volta ao lar, já no primeiro dia trombou um amigo prego com quem não encontrava havia algum tempo:

- E aêê Zé Ruela, como é que tu tá?

- Zé Ruela é o caralho, meu nome agora é Biro-biro do Baticum, porra!

E o prego saiu, abalado.

No dia seguinte, Biro-biro deu entrada nos papéis pra fazer a alteração do seu nome.




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terça-feira, 9 de outubro de 2007

Enxurrada

Em plena aula da primeira série, Albano, moleque muito gente boa, com a voz esganiçada, desafinando no final da frase, dispara o petardo:

- Dona Josenice, pra chover, a nuvem fura?

Imediatamente a casa cai. (Quase)todo mundo chora de rir, muito mesmo. Riram gargalhadas debochadas, carregadas de um tipo específico de arrogância, aquela própria de quem tem medo.

Até hoje eu não entendi qual foi a graça.